sábado, 28 de março de 2015

#127

Entrei no ônibus e me preparei para antisocializar: coloquei o fone de ouvido que te isola do mundo externo e cochilei. Sentou um cara ao meu lado, daqueles que abrem as asas e ficam fazendo guerra de cotovelo com você. Tentei jogar a mochila mais pro lado, fazer movimentos um pouco mais bruscos, reclamar num grupo do Telegram para ver se ele lia o que eu estava escrevendo sobre ele, mas foi só com uma cotovelada sutil que consegui reconquistar meu território.

Depois de um tempo, ele vira e faz uma pergunta. Tiro o fone de ouvido e ele a repete:

- Você vai pra Niterói?
- Vou.
- Você sabe onde fica o Espaço Cantareira?
- Sei, fica na Cantareira.
- Onde é isso?
- Em frente à praça da Cantareira e à UFF.
- Como chega lá?
- Olha, esse ônibus não te deixa em frente. Mas o ponto mais perto fica a uns 10 minutos de lá. O caminho mais seguro é você ir por ali e ali, porque se você for reto, a rua é meio tensa.

Tento explicar bem, porque recomendar pessoas a não passarem pelo Caminho Niemeyer é quase boa prática da humanidade.

- Quando chegar no ponto mais perto, você avisa?
- Sim.

Coloco o fone de volta e fecho os olhos. Ele continua:

- É que tá rolando uma festa lá. É uma choppada. À fantasia. Por isso tô assim. Tem até peruca.
- Ah, legal.
Nessa hora comecei a pensar “nossa, que cara chato. Que vontade de dar informação errada para ele. Mas não.  *sorriso interno de bondade*”. Ele prossegue:
- E eu não sei chegar lá. To vindo de Copacabana. Aí é longe, né? Tem que estar bem animado pra sair de lá pra cá.
- Tem mesmo.
- Desculpa, não vou mais te perturbar.

Fones de volta. Cochilo travando mais uma guerra de cotovelo com ele, até chegar uma hora que me rendi: me encolhi mais perto da janela para evitar conflitos. E o pensamento de falar para ele saltar depois do Ingá só aumentava. Mas não. *sorriso da bondade*. Depois de um tempo, ele volta a perguntar:

- Você tem aqueles carregadores portáteis? Porque minha bateria tá com 12%.
- Não.
  
Avisei quando chegamos  ao ponto em que ele deveria sair. Ele agradeceu, dando aquele “carinho” no braço. Apenas desnecessário.

O ônibus anda mais um pouco e percebo que a próxima parada o deixaria a uns 3 minutos do Espaço Cantareira, bem mais perto. Comecei a rir internamente-não-tão-internamente do acaso malvado não intencionado. Pensei em karma: isso que dá ser aquela pessoa espaçosa no coletivo, que fica ocupando o seu quadrado. Ela vai acabar pedindo informação para alguém que não tem o menor senso de localização.